“Com paciência reter a dor da negação/Lembrando os afogados nos trens suburbanos às cinco da manhã/Com paciência desdobrar o sudário da teoria/Com paciência em nome dos desesperados/Duvidar do desespero com impaciente paciência/Em nome dos incorrigíveis/Ensinar...” (Enzensberger)
Durante o tempo de vacas magras, semeaduras difíceis, canteiros amelados por cicatrizes e pragas, problemas bisonhos, situações-limites provocando fissuras, o inverno no seu coração às vezes quase faz o cálice transbordar. Mas resistes. És forte. Não sabe bem que és, mas és e até muito mais do que imaginas.
É pouca a ração das amizades em preto e pranto; sim, sonhas dias melhores, as feridas se recompõem, as perdas se aglutinam, mas não estás tão sozinha como pensas que estás. Há um anjo-da-guarda que vela por ti, carrega teu sonho num colo cheio de estrelários, como se um fermento especial preparando a massa do cuque de mel e framboesa silvestre para o chá da tarde de chuva.
Então ficas forte - é inverno no teu coração - de alguma maneira arrancas do mais íntimo de ti aquela força que nem sabias que tens, e atravessas inteiro o deserto das desesperanças, enfrentas os dragões de maldade de cada semana, matas um leão por dia, escapas de naufrágios, foges de tentativas de abismos, o galo canta três vezes mas resistes e nem sabes direito como e com que energia ou dínamo interior, espiritual.
No outono, não escondes tristezas. Estão nos teus olhos.
Choras escondido. Quando teus inimigos te encontram, olhas nos olhos dele, fazes poses, desfila tua vaidade e segues. És melhor do que teus inimigos. Mas é por eles que aplainaste teu caráter, que levantas cedo, que fazes outro curso, que ousas sempre uma nova auditoria do teu íntimo, e segues forte, firme, resoluta. Pensam que estás rica. De alguma forma estás mais do que precisam saber. Pensam que nunca estarás quebrada, mal sabem o quartzo-róseo de teu íntimo pisado. Mas disfarças bem. E acreditas. Sempre.
É assim que se faz. Não deixaste de lutar, nunca. Não desanimarás por nada deste mundo. Há um céu. Há um alvo. Há um objetivo. Segues firme mais pela força de Deus do que outra coisa.
No verão escondes os problemas. Tens um curso pra fazer. Uma viagem. Tens um farol na tua mente e ele pisca uma luz de emergência dizendo direto...vá em frente...siga alerta...não desanimes...fé em Deus...ama e confia...sonha e busca...e então vais rodando, sabe-se lá como, escondendo tristices guardadas, mas, ainda assim, sem titubear, levantas cedo, dormes tarde, pagas as prestações, vences etapas, aprendes lições, afinal, é o grande baile-show dessa vida e o milagre de tua sobrevivência é o sinal de tua lisura, como se uma bandeira de luz de teu íntimo.
Riem de ti. Mas nada pode te tocar, se não quiseres ser tocada. Segues em frente. Inveja, ciúme, isso faz parte de um condomínio coletivo de vida. Mas o amor é o melhor remédio.
Tua vingança é vencer sempre, vencer tudo, tornando-se um guerreira, um baluarte, e os teus sondadores nem imaginam o quanto és sensível; ou se és fraca às vezes, choras escondido (fazes poemas de alguma maneira) mas estás todo dia impoluta, por dentro quebrado como arroz-agulhinha de terceira, por fora forte e firme a sorrir, curtindo uma nova aurora...reinventando desenhos de disposição.
As nuvens te sorriem, repara. Os pássaros te vão bondiar, escuta. Os trilhos brecam ao longe, os anjos estão vigiando teus rumos, aquele assalto que não ocorreu, aquele acidente que passaste perto...consulta sempre teu coração (consulta sempre tua mãe), porque és forte, tuas ações valem tanto quando as orações. Orai e vigiai.
Mas, ainda bem, depois das vacas magras, como disse o nosso Presidente Lula, vem o tempo da colheita. A seara é farta. Valeu a pena? Ainda bem.
Lembra da canção do Rei Roberto Carlos, As Flores do Jardim de Nossa Casa? Pois é: “-Depois que a chuva cair/Um novo jardim um dia, há de reflorir...” (Pode se matar uma flor, duas flores, três flores, mas nunca se pode retardar a chegada da Primavera - disse o Metalúrgico Lula enquanto sonhava ser o Presidente que se tornou.)
Então tudo começa a dar certo para ti. Olhares novos sob o mesmo prisma. O carro zero. O exame de uma doença que pensavas grave e deu negativo. Venceste mais esta, baby. Compraste a casa de teu sonho. Foste aprovado no Mestrado. Vão lançar teu livro. Aquela viagem vai pintar. O amor chegou. Tens estrelas nos olhos. Teu sorriso vai de lado a lado. Tua pele viça. O amor faz bem pra saúde.
Estás esbelta no pleno vigor de tua Primavera.
Venceste. Mais: venceste a ti mesmo. Quem te deu tanta força?
Então quando começas a curtir esse barato chamado Primavera - mas poderia ser Eterno Amor, Lenda Pessoal, Sonho Impossível, Viagem pra Europa, Casa na Praia - eis que alguém, sabe quem, um tipo, uma pessoinha, todos afinal querem tirar uma lasca de tua colheita. Êpa! Alerta, Alerta!
Fique esperta. Não deixe que te tirem a Primavera. Ela está viva em teus olhos - parecem tochas de auroras antigas - nos teus gestos (parecem grinaldas de luz), nas tuas palavras prudentes, nas conquistas sábias, roupas coloridas, ternuras revisitadas. No afeto em que se encerra em cada temporada ou fechamento de ciclo. Venceste. Aleluia!
Então vem o parente que não te ajudou...querendo parte da colheita de morangos. Então vem o vizinho com um falso sorriso de açúcar colorido com anilina. Depois pinta este...ou aquele...todo querem ficar na fresca, embaixo de tua primavera abrangente e iluminada de mil flores, mil pássaros, mil raios de sol, virtudes e encantos.
Divide tua primavera com os que te amam. Divide tua primavera com os que te carregaram quando choraste. Divide a tua primavera com os que foram amigos no amor e na dor, na alegria e na tristeza, nas vacas magras e nos desertos e tempestades. Divide tua primavera com a tua santa mãezinha. Ela velou por ti.
Esses são os teus verdadeiros amigos-irmãos-camaradas. Pensa nisso.
Na alegria, é fácil ser amigo, ou pelo menos parecer um.
Na fome, na dor, no problema, na morte, no regime, na crise, na depressão, os ombros só suportam o mundo se teus amigos (e anjos-da-guarda) te ajudam a carregar a tua cruz que pode ser feita de baunilha.
E então, não deixe que te tirem a primavera que é tua, inteira e plena, magna, de pleno direito.
Amanhã, querida, quando fores à praia; domingo quando fores à missa; sábado quando fores ao baile, segunda-feira quando fores ao curso de pós-graduação de balé clássico; terça-feira quando fores trocar de carro; quarta-feira quando fores viajar; quinta-feira quando disseres ao teu bem o quanto o amas, ou mesmo na sexta-feira quando fores fazer cooper ou pegar um chope e churrasco com os amigos especiais, leva essa tua primavera inteirinha sobre os teus ombros largos de tua coragem limpa e cristalina. Venceste!
Vão se admirar? Claro! Eles são demais.
-Que foi, Irene, viste um passarinho verde?
-Nossa, Irene, vais para a Europa?
-Puxa, Irene, que sorriso inteiro é esse?
-Deus do céu Irene, que remédio pra pele estás tomando?.
Brilharás. Mereceste.
O amor é o melhor afrodisíaco, o amor é o melhor regulador de vaidades, o amor é o melhor rímel, o melhor própolis, a melhor Vitamina A. Amor.
Carrega a tua primavera por orlas, passarelas, bares, lojas, bosques e ancoradouros.
Dirão que és iluminada. Dirão que és especial. Dirão que és vencedora.
Pois és tudo isso e muito mais.
Deus não escolhe para guerreiros pessoas fracas. Só os especiais é que passam fome um dia, têm enfrentações de reciclagens, pertencimentos de foro íntimo, pedras para transformarem em flautas mágicas.
Só os fortes são treinados para serem heróis. Treinados em combate.
A luta continua? É isso aí!
(Na Primavera as pessoas tiram as roupas coloridas dos armários íntimos, e ficam alegres, viçadas, bonitas, elegantes, poderosas...)
Professor, aluno, sábio, aprendiz, poetas, feiticeiros, engenheiros, roqueiros, sonhadores, realistas, pintores, bailarinos, anjonautas, lavradores, não deixem nunca que as travessias, vivências e etapas vencidas paulatinamente se percam como folhas ao vento.
Cecília Meirelles disse:
“Aprendi com a Primavera a me deixar cortar. E a voltar sempre inteira...” Deve ser isso.
Alô você:
Carrega com orgulho a Primavera nos ombros, não deixe que ninguém tire essa ETERNA PRIMAVERA de ti.
Silas Corrêa Leite
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